sábado, 5 de janeiro de 2008

E o governador está preocupado com banda larga na Avenida Atlântica!


VIDA

Lídio Toledo nasceu no Rio de Janeiro, onde vive. Tem 75 anos, é casado com a fisioterapeuta Nilka Dionísio e tem três filhos

CARREIRA

Médico ortopedista há cinco décadas, tornou-se conhecido como médico do Botafogo e da Seleção Brasileira de Futebol. Seus três filhos também são ortopedistas. Lidinho, o mais velho, vítima do assalto no dia 31, divide com o pai uma clínica de ortopedia na Barra da Tijuca


ÉPOCA – O que mudou em sua vida?
Lídio Toledo – Mudou tudo. Eu estava em Copacabana, num apartamento de 8o andar de um amigo meu na Avenida Atlântica. Entrei às 23 horas. Às 23h03 meu telefone toca. Era um policial dizendo que meu filho tinha sido assaltado e baleado. Não houve Réveillon. Pedi desculpas à família e fui correndo ao Hospital do Andaraí. Devo mencionar e agradecer publicamente o magnífico atendimento que meu filho recebeu lá. A equipe de plantão salvou a vida de meu filho.
ÉPOCA – Quando seu filho chegou ao hospital nesse estado, o senhor já estava lá?
Toledo – Sim. Eu estava lá quando ele chegou de ambulância, sangrando e chocado, e não passou por nenhum exame. Seguiu direto para o centro cirúrgico.
ÉPOCA – O senhor já sabia exatamente o que havia acontecido?
Toledo – Logo fiquei sabendo. Os bandidos estão muito bem organizados, e o Estado está mal organizado. Esse é o problema. É só você olhar o plano do assalto, que saiu nos jornais. Botaram um garoto, menor, para ver se havia algum policial. Só então a primeira moto partiu para o assalto. Como meu filho reagiu e jogou o carro em cima da moto deles, uma segunda moto veio socorrer os bandidos. Era tudo bem planejado, diferentemente do policiamento.

ÉPOCA – Como o senhor descreveria seu filho?
Toledo – Meu filho é um rapaz de 35 s anos, excelente médico ortopedista, magnífico cirurgião, operava quase diariamente, principalmente joelho. Botafoguense doente, jogava futebol, ia sempre à praia... Ele trabalhava aqui comigo na clínica, era meu braço direito. De repente, fiquei só. Tenho outro filho médico que mora em Florianópolis e um terceiro que ainda está para se formar. Todos ortopedistas também. Mas ele era o único apto a me ajudar aqui.

ÉPOCA – Como o senhor se sente?
Toledo – Estou triste. É ruim ver um indivíduo jovem, esportista, provavelmente ficando paralítico nas pernas. Ele teve uma lesão medular grave. Mesmo tendo sido bem operado, é provável que seja irreparável. Foram três tiros de (calibre) 9 milímetros, um na mandíbula, outro no antebraço e o terceiro, o pior, atravessou um pulmão, o músculo diafragma e o baço, antes de transpassar duas vértebras.

ÉPOCA – Como médico e pai, o senhor conseguiu manter-se calmo?
Toledo – Você tem de ver o caso sob dois aspectos. Sob o aspecto médico, eu trabalhei 40 anos no pronto-socorro do Hospital Miguel Couto, de modo que estou superacostumado a ver essa situação. Tinha baleado toda semana – agora é todo dia. E confiei na equipe. O segundo aspecto é o do pai. Sempre fui católico, praticamente criado no Mosteiro de São Bento, e rezei muito, senti muito. Mas eu tive de bancar o durão, perante a família e os amigos. Alguém tinha de orientar, transferir a mulher dele para outro hospital, ligar para meus colegas de profissão para que meu filho tivesse a melhor assistência. Deixei um pouco o sentimento de lado para tratar do assunto objetivamente.

ÉPOCA – Seu filho teve a oportunidade de conversar com o senhor?
Toledo – Agora (manhã da sexta-feira 4) ele está dopado, em coma induzido. Antes, ele falou comigo, mas foram pouquíssimas palavras. Inclusive ele pediu um papel e escreveu um recado para a mãe enquanto estava lúcido. “Mamãe, eu estou melhor. Um beijo, Lidinho.”

ÉPOCA – Ele sabe da gravidade da lesão?
Toledo – Ele não sabe ainda.

ÉPOCA – O senhor imagina qual será a reação dele?
Toledo – Você calcule. Um rapaz de 35 anos com paralisia nas pernas, ortopedista e cirurgião... Vamos ter de fazer um trabalho psicológico muito grande para ele reagir a isso. Vai ser muito complicado. Ele conhece bem a patologia. Se fosse um leigo... Mas ele está por dentro dos sintomas, não terá nenhuma falsa esperança.

ÉPOCA – Como está sua nora?
Toledo – Está melhor. Ela tomou dois tiros, inclusive um no tórax. Mas não foram profundos. As balas já foram retiradas e ela saiu do CTI.

ÉPOCA – O senhor já teve outros casos de violência próximos de seu cotidiano?
Toledo – Já, claro. O filho do delegado Hélio Vígio, que é muito meu amigo, tomou um tiro também. Teve uma lesão medular e está numa cadeira de rodas. Mas eu nunca imaginei que isso acontecesse em minha família. Uma surpresa profundamente desagradável.

ÉPOCA – O que o senhor espera da polícia e da Justiça?
Toledo – Primeiro eu devo dizer que a Polícia Civil foi sensacional. Resolveram o caso, identificaram os criminosos e nos atenderam muitíssimo bem. Mas o policiamento em geral, atribuição da Polícia Militar, deixa muito a desejar. As ruas estão abandonadas. Nesse dia não havia nenhum guarda na estrada toda. E acho que as leis precisam ser mais duras.

ÉPOCA – Pensa em mudar-se de cidade?
Toledo – Não, isso não. Sou carioca e adoro minha cidade.

ÉPOCA – Sua rotina mudou?
Toledo – Já mudou tudo. Aqui na clínica, por exemplo. Era meu filho quem fazia praticamente todas as operações. E eu agora vou ter de voltar a operar, quase dois anos depois de parado. A clínica tem de continuar funcionando. Temos doentes marcados, pós-operatórios delicados a fazer. Mas à noite eu fico lá até bem tarde. No dia 3, passei rapidamente e, no dia 4, já voltei ao trabalho normalmente. Os doentes não têm nada a ver com o que aconteceu. Para mim é muito difícil. Mas durante o trabalho eu acabo me desligando um pouco do caso. É uma maneira de se distrair, o trabalho.

ÉPOCA – E o apoio dos pacientes?
Toledo – O que tem de telegrama, telefonema ou gente que vem aqui falar comigo, mesmo que sem consulta marcada... Quanto ao apoio deles, eu não tenho do que reclamar.

ÉPOCA – E os amigos?
Toledo – Uma palavra especial foi a do doutor João Havelange. Desculpe... (Toledo chora e pede um minuto para se recuperar.) É difícil um homem chorar assim, mas não tem jeito. Havelange estava em Angra dos Reis quando soube e me telefonou. No dia seguinte, às 7 horas da manhã, estava na casa de saúde. Ele vai lá todos os dias. Ele me deu conforto e colocou-se à disposição. É um homem extraordinário. Você me desculpa, de vez em quando acontece. Olha que eu estou me prendendo. Sou um cara meio chorão, mas estou me segurando ao máximo. Às vezes despenco. Despenquei.

ÉPOCA – Antes do ocorrido, qual foi a última vez em que o senhor esteve com ele, que conversaram?
Toledo – Olha, eu vou falar uma coisa que achei estranha. No dia do ocorrido, dia 31, fui à praia com ele e a esposa, aqui na Barra da Tijuca mesmo. Não acredito muito nisso, não, mas notei uma grande alteração no comportamento dele. Estava triste e falando o mínimo possível. Foi à beira da água, ficou em pé de braços cruzados por uns dez minutos, olhando o mar. Eu estava na barraca e estranhei um pouco. Ele sempre almoçava comigo, e eu o convidei, mas ele recusou. Quando fomos embora, ele foi andando na minha frente, e não ao meu lado. Não acredito em fantasmas, mas que dá para desconfiar de alguma coisa, dá. O que é, eu não sei.

ÉPOCA – Em que momento da vida ele estava?
Toledo – Magnificamente realizado. Contente com a vida.
Comentário: Conheci este homem, há muitos anos atrás. Um homem da paz, um homem do bem. Imagino a dor dele hoje. Onde quer que meu pai esteja, Dr.Lídio, ele está solidário à sua dor. Ele lhe admirava e lhe respeitava. O que posso fazer? Nada além de pedir ao Deus em que ambos acreditamos que lhe dê forças e coragem. Aquela mesma força que o sr. distribui sem comedimento a amigos e pacientes. Um dia, Dr.Lídio, haveremos de superar tudo isso. Um dia o Brasil voltará a ser dos brasileiros.